A doença da saúde suplementar
Mauricio Ceschin
O chamado escândalo das próteses é um tema
importantíssimo, mas constitui apenas um dos sintomas nefastos de uma doença
maior: o modelo de remuneração de prestadores de serviços médicos,
principalmente hospitais.
É caso de polícia a indicação que alguns médicos fazem
de órteses, próteses e materiais especiais (OPME) sem a devida indicação
clínica com o simples propósito de aumentar seus ganhos financeiros.
A lógica por trás dessa prática, no entanto, é a mesma
que incentiva a indicação de uma enorme quantidade de exames e procedimentos
médicos: o modelo atual de remuneração, que estimula o consumo de OPME, de
materiais em geral, de medicamentos e de tecnologia como fonte de receita.
É importante dizer que, ao concentrar seu ganho no
almoxarifado, os hospitais buscam compensar a perda que têm com os valores de
diárias, taxas e serviços que vêm sendo comprimidos nas negociações com as
operadoras de saúde.
Esse modelo cria graves distorções, como a redução do
ganho da maioria dos médicos --que age com lisura--, comprimido por gastos
crescentes com insumos, que respondem às vezes por 60% de uma conta hospitalar,
e a realização de procedimentos desnecessários ou sem a devida comprovação de
indicação clínica.
Ademais, não há alinhamento com o propósito do sistema,
que deveria ser o de alcançar o melhor desfecho clínico com a melhor equação
custo-qualidade-efetividade e incentiva o desperdício em um setor que tem uma
carência crônica de recursos.
Para o consumidor de plano de saúde, essa situação se
traduz em mensalidades maiores e insegurança clínica. É um sistema que se
alimenta do aumento das receitas pagas pelos beneficiários, e não da
racionalidade no uso dos recursos.
Se não mudarmos esse modelo de remuneração, as
distorções podem até ser minimizadas, mas serão substituídas por outras mais
elaboradas. Vão continuar alinhadas a incentivos econômicos que atendem aos
interesses de alguns atores da cadeia produtiva, mas não aos daqueles de quem
se pretende cuidar. Tanto para hospitais como para operadoras, a mudança de
modelo é também desejável.
O que sistemas de saúde mais desenvolvidos praticam é
a chamada remuneração por pacotes e diárias globais, em que são negociados
valores fixos atrelados à condição clínica do paciente e a protocolos
balizadores de tratamento.
Alguns mais avançados já envolvem um percentual de
remuneração condicionado ao sucesso efetivo alcançado para o paciente. O nome
do jogo passa a ser o da eficiência: ganha mais quem tem melhor desempenho, e
não quem gasta mais.
No Brasil, essa mudança no modelo de remuneração ainda
encontra resistências. Vem sendo desvirtuada pela discussão a respeito de o
governo estender ou não a regulamentação na saúde suplementar para os
prestadores de serviço, como hospitais, uma vez que a ANS (Agência Nacional de
Saúde Suplementar) só regula as operadoras de saúde.
A própria ANS já tentou patrocinar essa mudança e, por
mais de dois anos, manteve um grupo de trabalho para a discussão do tema com
representantes de hospitais e operadoras. Esse esforço, infelizmente, não
atingiu objetivos práticos.
Interesses à parte, é difícil acreditar que o mercado,
por si só, será capaz de promover essa mudança. Urge que o Ministério da Saúde,
em conjunto com as agências reguladoras e demais órgãos envolvidos, conduza
esse processo vital para maior eficiência e sustentabilidade do setor. Essa é
uma ação imprescindível e estruturante que irá melhorar a saúde (e o bolso) de
mais de 50 milhões de brasileiros.
Fonte http://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/212410-a-doenca-da-saude-suplementar.shtml
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