Erro no cuidado de saúde
Por Adelia Quadros Farias Gomes*
Quando o paciente procura um
médico ou um serviço de saúde espera que a assistência seja prestada com qualidade
técnica e segurança. Nem sempre o desfecho é o desejado, mas deve ser sempre o
resultado da própria condição de saúde do paciente, jamais decorrente de erro.
Infelizmente, nem sempre é assim.
A mídia tem noticiado inúmeros casos de danos causados não pela doença, mas pelo
processo de cuidado de saúde, sendo muitos desses, decorrentes de erros
cometidos pelos profissionais de saúde (sejam eles médicos, enfermeiros,
farmacêuticos ou outros). São chamados de
“erros médicos”, termo inadequadamente utilizado.
É importante reconhecer que o
problema da falta de segurança e os erros estão relacionados à organização de
saúde, ao ambiente, aos produtos e à complexidade da assistência, com a
realização de inúmeros procedimentos e processos interdependentes. Erro não é sinônimo
de incompetência profissional. Muitos erros acontecem com profissionais bem qualificados.
Sendo assim, a expressão
“errors in health care – erros no
cuidado de saúde” é mais adequada, uma vez que esses erros são um
problema sistêmico e não apenas individual.
Chama
a atenção a reflexão do médico Dario Ferreira: “Os médicos e profissionais de
saúde ainda não perceberam a gravidade, o tamanho, a importância epidemiológica
e a catástrofe que são os danos que a gente causa aos pacientes”.
Uma questão relevante é que os
erros no cuidado de saúde representam um grande desperdício de recursos, cada
vez mais escassos. Estima-se que custem entre US$ 17 e 29 bilhões por ano. No
entanto, o impacto dos erros vai além do custo financeiro. Pacientes
internados, em especial os que estão em terapia intensiva, recebem dezenas de
ações e procedimentos corretos e adequados para o seu cuidado. A taxa de
assertividade no cuidado é de cerca de 99%. A questão para refletirmos é: será
que uma taxa de 99,9% de acertos no processo de cuidado seria adequada?
Para
termos ideia do impacto desse percentual, se pode ser ou não suficientemente
adequado, consideremos que em outras situações 0,1% de erros significariam cerca
de 25 mil objetos distribuídos errados pelos Correios (Brasil) por dia, 200
quedas acidentais de recém-nascido por dia no mundo, e
significaria 32 mil cheques bancários compensados na conta errada a cada hora,
de acordo com o um estudo feito por William Edwards Deming, um dos pioneiros na aplicação de melhorias no âmbito da qualidade. Outro estudo, de Rosenthal e Sutcliffe, aponta que 0,1% de erros significaria 20 mil prescrições erradas por
ano, 500 cirurgias incorretas por semana e 2 mil documentos perdidos por hora.
Todavia, para
cada paciente, um erro significa 100% de risco ou de dano.
Os erros associados ao cuidado de
saúde provocam incidentes que causam danos ao paciente, chamados de eventos adversos.
A consequência muitas vezes são as sequelas ou a morte.
No entanto, há estudos que comprovam que muitos eventos adversos,
principalmente durante a hospitalização, são potencialmente evitáveis.
Eventos
graves e inaceitáveis são denominados never
events, pois nunca deveriam ocorrer em serviços de saúde, como por exemplo,
choque elétrico durante a assistência; procedimento cirúrgico realizado no lado
errado do corpo, no paciente errado; contaminação na administração de O2 ou
gases medicinais; suicídio de paciente; óbito ou lesão grave de paciente
associados ao uso de contenção física ou grades da cama durante a assistência
dentro do serviço de saúde; úlcera por pressão - estágio III ou IV;
administração de medicação pela via errada; overdose de insulina devido a
abreviaturas ou dispositivo incorreto; transfusão ou transplante de componentes
sanguíneos ou órgãos com sistema ABO incompatíveis; entre outros.
As
mortes provocadas por erros no cuidado de saúde estão entre as três primeiras
causas de óbito nos Estados Unidos. No Brasil, os erros podem estar entre a
segunda e a quinta causa de óbitos. Estudo realizado em 133 hospitais no Brasil
estimou que, em 2015, mais de 300 mil pacientes morreram em decorrência de
erros associados à assistência hospitalar, sendo a segunda causa de morte, ultrapassando
os óbitos por câncer e por doenças respiratórias.
É certo que alguns eventos adversos
são apenas uma parte do problema dos erros, pois nem todos os erros causam
danos ao paciente, como os relacionados ao uso inadequado de medicação. Mas,
ainda que a maioria desses erros não resulte em dano ao paciente, é necessário
o esforço conjunto para rever os processos e as práticas de
segurança. A gestão dos riscos é fundamental para isso e contempla as etapas de
identificação, notificação, análise, avaliação, monitoramento, tratamento e
comunicação de riscos, além da identificação dos fatores de mitigação,
planejamento e implementação das ações de melhoria. Também é de suma
importância identificar os fatores contribuintes e suas principais causas. Com
a elaboração de um plano de ação, as medidas preventivas e corretivas são adotadas
e estratégias implementadas tanto para prevenir quanto para mitigar as
consequências dos erros e incidentes.
Tendo em mente que Errar é Humano,
e que erros, inexoravelmente, podem acontecer, precisamos torná-los visíveis e
atenuar seus efeitos. Os erros devem ser encarados como uma oportunidade para a
revisão de processos e aprimoramento da assistência prestada ao paciente.
* Médica, Mestre em Ciências da Saúde Pública, educadora do
Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) e membro da Sociedade Brasileira de
Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (SOBRASP)
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