Cármen Lúcia: “O direito à saúde não é um gasto. É um investimento”
Cristiane Segatto
“O direito à saúde tem custo. Mas isso não é um gasto, é um
investimento”, disse hoje, segunda-feira (7) a ministra Cármen Lúcia,
presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ela está empenhada em facilitar o acesso dos juízes à informação confiável
sobre medicamentos, dispositivos médicos e técnicas cirúrgicas.
Cármen Lúcia e o ministro da saúde, Ricardo Barros, estiveram hoje no
Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para iniciar uma parceria entre o CNJ, o
governo federal e a instituição. O objetivo é criar uma plataforma on-line com
pareceres técnicos sobre os produtos de saúde. De qualquer lugar do país, os
magistrados poderão consultá-la antes de tomar decisões.
É um passo importante. Essa base de dados pode ajudar a reduzir o número
de decisões judiciais em total dissonância com as evidências científicas da
medicina. Todos perdem quando isso acontece.
1) O paciente deixa de receber a opção terapêutica
mais adequada a seu caso.
2) O Estado é obrigado a comprar um medicamento mais
caro e nem sempre mais eficaz pelo preço que o fabricante quiser vender.
3) A coletividade é prejudicada quando o gestor
público é obrigado a destinar grande parte do orçamento ao cumprimento das
demandas judiciais.
Só quem ganha quando uma decisão judicial não encontra amparo nas
evidências científicas é a indústria farmacêutica. Para uma empresa
mal-intencionada, é mais fácil estimular as ações judiciais (financiando
associações, oferecendo advogados aos pacientes e assediando médicos) do que
convencer as autoridades regulatórias e os gestores públicos da superioridade
de seu produto – tanto em termos de eficácia quanto de custo.
Um exemplo recente é o caso dos falsos doentes de R$ 9,5 milhões,
contado por ÉPOCA em junho. Trata-se de uma das maiores fraudes já descobertas
no Brasil envolvendo ações judiciais para fornecimento de remédios de alto
custo. Ao confiar nos laudos assinados pelos médicos dos pacientes, os juízes
concederam o medicamento lomitapida (aprovado nos Estados Unidos apenas para
uso nos raros casos de uma doença genética que provoca colesterol altíssimo) a
pessoas que, segundo investigações posteriores, nem sequer tinham a doença.
Cada comprimido da droga fabricada pela empresa americana Aegerion Pharmaceuticals
custa cerca de US$ 1.000 por dia. Essa história provocou um prejuízo de R$ 9,5
milhões à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Poderia ter consumido R$
40 milhões se as autoridades não tivessem percebido o esquema a tempo de
interrompê-lo.
Para algumas empresas, a judicialização da saúde se tornou um atalho
esperto. Por outro lado, ela representa um instrumento legítimo quando o Estado
deixa de cumprir aquilo que, inegavelmente, é sua obrigação. Sem o direito
assegurado de procurar a Justiça, muitos doentes teriam a vida abreviada por
pura omissão dos gestores públicos.
O ponto crucial desse debate é determinar o que o Estado ou os planos de
saúde devem ser obrigados a fornecer aos cidadãos. Se não há orçamento no mundo
capaz de bancar todas as inovações criadas pela indústria farmacêutica, as
evidências científicas devem ser o início de qualquer conversa.
“É fundamental ter a certeza de que, para aquele pleito, existe
evidência científica de que a droga é indicada para o paciente”, diz o
bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital
Sírio-Libanês. “E, obviamente, essa indicação levou em conta eficiência,
eficácia e segurança.”
Em vários estados, os Tribunais de Justiça contam com Núcleos de Apoio
Técnico (NAT-Jus), capazes de avaliar a adequação dos produtos demandados pelos
cidadãos. Os juízes não são obrigados a consultá-los, mas os pareceres técnicos
contribuem para o embasamento das decisões. Eles evitam, por exemplo, que os
juízes sejam ludibriados por laudos médicos de origem
duvidosa.
Representantes de vários desses núcleos participam do treinamento no
Hospital Sírio-Libanês. O objetivo é criar uma forma de padronização do
conteúdo dos pareceres. Essa estrutura comum facilitará as pesquisas dentro da
base de dados criada pelo CNJ. Com o tempo, os juízes poderão recuperar,
facilmente, os pareceres que sustentaram decisões anteriores. Aos poucos, será
possível criar jurisprudência em determinado assunto.
Os NAT vão usar as ferramentas de busca da Biblioteca Cochrane,
considerada a base de dados mais completa para a busca de evidências
científicas. O hospital não fará pareceres técnicos. O papel da instituição
será apoiar o CNJ e as estruturas já existentes para aumentar a eficiência e a
rapidez das buscas.
“O Sírio-Libanês não pretende promover uma redução nem um aumento das
liminares positivas”, diz Reis. “Queremos fortalecer a evidência científica
para ajudar os juízes no processo de decisão.”
Quando a ferramenta do CNJ estiver funcionando como prevista,
dificilmente um juiz poderá alegar desconhecimento técnico ao ser questionado
sobre suas decisões no campo da saúde.
Fonte - ÉPOCA ONLINE
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